O Treino de Força no Microciclo Competitivo no Futebol

RESUMO

Nos últimos anos, o Treino de Força (TF) no contexto do Futebol tem vindo a ser cada vez mais falado, implementado e procurado pelos próprios jogadores.

Embora todos estes aspetos contribuam de forma positiva para a capacitação do futebolista enquanto atleta, existem diversas dificuldades sentidas por um grande número de profissionais que se encontram na prática dentro das estruturas dos clubes.

Neste artigo pretende-se refletir sobre algumas dessas dificuldades de integração do TF no Microciclo Competitivo no Futebol.

PALAVRAS-CHAVE:

Futebol, Treino de Força, Força máxima , Treino concorrente, Calendário, Densidade, Tático, Micro-dose


IMPORTÂNCIA DA FORÇA NO JOGADOR DE FUTEBOL

Um jogador de futebol tem de ser capaz de treinar um conjunto de aspectos, técnico-tácticos, físicos e psicológicos para melhorar o seu rendimento.

Dentro dos objetivos físicos exigidas pela modalidade, um jogador de futebol deve desenvolver um conjunto de skills como sprintar, saltar, desacelerar, e mudar de direção relativamente às ações técnico-táticas do jogo.

Estes skills requerem que o jogador consiga produzir uma grande quantidade de força (Força Máxima), num tempo bastante limitado (Força Rápida).

Assim, é importante considerar o desenvolvimento da Força Máxima dos membros inferiores juntamente com a Força Rápida, para otimizar os valores de força relativa e melhorar os skills específicos da modalidade (Suchomel, et al 2018).


A INTERFERÊNCIA DO TREINO DE FORÇA

Apesar da relevância do TF, é desafiante planear a frequência e volume do TF durante o período competitivo de modo a que os valores de força possam ser mantidos ou melhorados, sem que para isso haja um efeito de interferência no desempenho das skills específicas do próprio jogo.

A própria modalidade (Futebol), devido às características/natureza do jogo, exigências técnicas e táticas, apresenta um perfil a pender mais para a Resistência (ex: capacidade aeróbia) do que a Força, onde a maioria das tarefas têm por base a corrida. (Laursen, P.; Buchheit, M.; 2019)

Assim, este  possível efeito de interferência poderá ocorrer em virtude de um planeamento desajustado do treino com alguma fadiga acumulada nos membros inferiores pelo TF, resultando numa diminuição aguda da performance e execução dos skills.


A DURAÇÃO DA ÉPOCA E DAS SUAS FASES

Se noutras modalidades (ex: atletismo), com menos eventos competitivos, os períodos preparatórios longos permitem criar uma larga base de desenvolvimento da força simultaneamente com o desenvolvimento dos skills específicos da modalidade, em calendários como este, o período preparatório de curta duração requer estratégias de implementação do TF durante o período competitivo no microciclo semanal.


CONSTRANGIMENTOS DOS CALENDÁRIOS COMPETITIVOS

No universo futebolístico, podemos dizer que nos últimos 15 anos temos assistido não só a uma mudança da intensidade do jogo (Bush, et al. 2015) , mas também a alterações nos calendários com um maior volume de jogos realizados por época (especificamente no contexto de elite).

 Relativamente aos tipos de microciclo, para a maioria das Ligas fora da Elite do Futebol, os tipos A e B (figura em baixo) são os mais comuns, onde é relativamente fácil incluir o treino de força na agenda dos jogadores (seja no período da manhã ou tarde).

 Com a possibilidade de 2-3x jogos por semana, os aspetos técnico-táticos têm ainda maior preponderância, com o tempo para analisar adversários e definir/preparar a estratégia de jogo mais escasso. Com menos tempo para potenciar os aspectos físicos, as estratégias de recuperação ganham relevância (particularmente os jogadores mais utilizados), mas também maior preocupação sobre a condição física dos jogadores menos utilizados. Neste sentido incluir o TF no microciclo competitivo torna-se mais fácil quanto menor o número de jogos dentro do mesmo.


FREQUÊNCIA DE TREINO

Apesar da escassa investigação sobre qual a dose necessária de TF para que os jogadores não sofram um decréscimo nos valores da sua Força Máxima, 1 sessão por semana ao longo das primeiras 12 semanas do período competitivo parece ser suficiente para manter a Fmáx e os valores de performance em Velocidade Linear (Rønnestad, et al. 2011).

 Todavia, é importante refletir que sendo o TF uma estratégia complementar de desenvolvimento atlético do jogador de futebol, num cenário onde o tempo de treino fica mais curto, ganha maior relevância a exposição ao treino da modalidade comparativamente a outras formas de treino não específicas.


TREINO DE FORÇA ANTES OU APÓS O TREINO NO CAMPO?

Não existe um consenso geral, ou ‘guideline’ que nos indique qual o melhor momento, visto que este aspeto depende do contexto (integração com o treino no campo), da experiência dos jogadores (relativamente ao TF) e sobretudo à metodologia de treino (objetivo da sessão, volume, intensidade), etc.

Na maioria dos casos, o TF no ginásio traduz-se em pequenas sessões de ativação (15 a 30 min), em circuito composto por exercícios de baixa intensidade com pouca sobrecarga (ex: exercícios de mobilidade, exercícios com o peso do corpo, contrações isométricas, etc) realizado antes do treino no campo.

 Na minha opinião, em situações onde se pretenda expor o jogadores a uma maior sobrecarga dos membros inferiores através de cargas elevadas, aconselha-se a realização após o treino no campo, ou num período do dia oposto ao treino (manhã vs tarde), de modo a evitar a interferência da fadiga no desempenho do treino no campo.

Embora a realização logo após o treino de campo nem sempre seja fácil de implementar, em virtude de maior fadiga acumulada pelo treino, gestão de um grupo grande, pouco espaço, pouco material disponível, diferentes níveis de execução e experiência dos jogadores, etc.


O CONCEITO DE “MICRODOSING”

Perante os problemas acima citados têm surgido algumas estratégias como o ‘’microdosing’’.

Na sua génese estão 2 principais vantagens: realizar o mínimo de treino e ter os efeitos desejados, e reduzir ou evitar a fadiga resultante.

Este conceito ‘’microdosing’’ para o TF tem sido abordado com uma possível estratégia que melhor se adequa aos calendários competitivos densos como o futebol.

A micro-dose de treino baseia-se no volume de uma sessão de TF dividido por um conjunto de sessões com volume bastante mais reduzido, sabendo que do ponto de vista da frequência de TF semanal, não parecem existir diferenças significativas quando o volume total é igualado (Cuthbert, et al. 2021).

 Atualmente o ‘’microdosing’’ independentemente da capacidade física ou skill que estejamos a falar, permanece um conceito pouco consensual e pode ser apenas um termo sinónimo do conceito ‘’Prática Distribuída’’.

Enquanto treinadores não conseguimos saber os limiares de adaptação para determinar qual a dose mínima eficaz e na maioria das situações esta gestão é feita com base na percepção do atleta (após a sessão ou nos dias seguintes) sobre o esforço realizado (Afonso, et al. 2022).


CONCLUSÃO

O TF no futebol é um tema complexo, cuja prática precisa de ser revista e discutida não só com base nos constrangimentos atuais, mas também nas metodologias redundantes pouco alicerçadas na ciência e nas disciplinas de base como a Fisiologia e a Biomecânica.

A evolução da modalidade, mas também do desenvolvimento das capacidades físicas do ‘’futebolista moderno’’, traz novos desafios para o contexto prático que devem ser discutidos e partilhados pelos diversos profissionais.

A implementação do TF no Microciclo no Futebol é uma necessidade que requer estratégias mais integradas nos diversos contextos.


BIBLIOGRAFIA

[1] Suchomel TJ, Nimphius S, Bellon CR, Stone MH. The impor- tance of muscular strength: training considerations. Sports Med. 2018;48(4):765–85.

[2] Lundberg TR, Weckstrom K. Fixture congestion modulates post-match recovery kinetics in professional soccer players. Res SportsMed. 2017;25(4):408–20.

[3] Ralston GW, Kilgore L, Wyatt FB, Buchan D, Baker JS. Weekly training frequency effects on strength gain: a meta-analysis. Sports Med Open. 2018;4(1):36.

[4] Spiering BA, Mujika I, Sharp MA, Foulis SA. Maintaining physical performance: the minimal dose of exercise needed to preserve endurance and strength over time. J Strength Cond Res. 2021;35(5): 1449–1458.

[5] Barnes C, Archer DT, Hogg B, Bush M, Bradley PS. The evolution of physical and technical performance parameters in the English Premier League. Int J Sports Med 2014; 35:1095-1100.

[6] Bush, M., Barnes, C., Archer, D. T., Hogg, B., & Bradley, P. S. (2015). Evolution of match performance parameters for various playing positions in the English Premier League. Human movement science, 39, 1–11.

[7] Rønnestad, B. R., Nymark, B. S., & Raastad, T. (2011). Effects of in-season strength maintenance training frequency in professional soccer players. Journal of strength and conditioning research, 25(10), 2653–2660.

[8] Cuthbert, M., Haff, G. G., Arent, S. M., Ripley, N., McMahon, J. J., Evans, M., & Comfort, P. (2021). Effects of Variations in Resistance Training Frequency on Strength Development in Well-Trained Populations and Implications for In-Season Athlete Training: A Systematic Review and Meta-analysis. Sports medicine (Auckland, N.Z.), 51(9), 1967–1982

[9] from G.A. Nader, “Concurrent Strength and Endurance Training: From Molecules to Man,” Medicine & Science in Sports & Exercise 38, no. 11 (2006): 1965-1970.

João Gavazzo

- Licenciado em Ciências do Desporto 2015;

- Pós-Graduado em Strength & Conditioning 2016;

- Performance coach independente desde 2015;

- Fisiologista na U.D. Vilafranquense (2019 a 2021);

- Fisiologista no Petro de Luanda (2021/2022);

- Fisiologista na Alfra Clinic.

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