Running Economy, Treino de Força e Conclusões Infundadas

RESUMO

A economia de corrida (Running Economy – RE) é definida como a quantidade de oxigénio consumida (VO2) em uma determinada velocidade de corrida submáxima e é expressa em mL/kg−1/min−1. Também pode ser definida como a quantidade de energia metabólica necessária para deslocar uma unidade de massa corporal em uma determinada distância ou, de forma equivalente, a potência metabólica por unidade de massa corporal necessária para correr a uma determinada velocidade. Qualquer que seja a velocidade, uma melhor economia de corrida se refere a uma taxa menor de consumo de energia. Simplificando e colocando na prática, a uma determinada velocidade, um corredor com uma economia de corrida maior consome menos oxigénio eenergia em comparação com um corredor com economia de corrida menor.

Desta forma, uma melhoria na RE permitiria que um indivíduo corresse mais rápido em uma determinada distância ou corresse uma maior distância a uma velocidade constante devido ao consumo reduzido de oxigénio.

PALAVRAS-CHAVE

Corrida, Economia, Treino, Força


FATORES QUE INFLUENCIAM A ECONOMIA DA CORRIDA

Regra geral, vários estudos relatam uma correlação muito forte entre economia de corrida e o desempenho na corrida de longa distância (Di Prampero et al., 1993; Costill, 1967; Conley & Krahenbuhl, 1980; Costill, Thomason & Roberts, 1973; Conley, Krahenbuhl, Burkett et al., 1984; Di Prampero et al., 1993; Pollock, 1977), e, adicionalmente, uma infinidade de determinantes que influenciam a RE – e que têm o potencial para serem modificadas – foram encontradas: comprimento da passada, frequência da passada, tempos de contato no solo, menor oscilação vertical, maior rigidez das pernas, cinemática dos membros inferiores, alinhamento da força de reação do solo e eixo dos membros inferiores durante a fase propulsiva, balanço, menor co-ativação e calçado rígido, etc. Além disso, várias características antropométricas, como altura, dimensões dos membros e composição corporal, também foram sido sugeridas como influências na RE. Resumindo, a RE é amplamente afetada por parâmetros antropométricos (Billat, Demarle, Slawinski, Paiva & Koralsztein, 2001; Larsen, 2003; Tam et al., 2012) ou morfológicos intrínsecos, e/ou por propriedades fisiológicas (Scholz, Bobbert, van Soest, Clark & van Heerden, 2008).

No entanto, quando pensamos nos atletas de elite da África Oriental – nomeadamente nos atletas Quenianos – que têm dominado as provas internacionais nas últimas décadas, percebemos que uma maior RE não é suficiente para explicar os resultados superiores dos mesmos, uma vez que existe uma dissociação entre a RE e o desempenho na corrida de longa duração no restrito grupo de corredores de elite, o que sugere que a RE pode ser compensada por outros fatores para manter altos níveis de desempenho, sendo que estes dados estão de acordo com a ideia de que RE é apenas um dos muitos fatores que explicam o desempenho na corrida por parte de atletas de elite (Mooses et al., 2015).

Apesar de ser apenas um dos muitos fatores que influenciam a performance desportiva, a RE continua a ser um indicador importante. Isto porque, corredores de longas distâncias altamente treinados normalmente têm valores de VO2máx semelhantes e muito altos (70–80 mL/kg/min com variações relativamente pequenas entre atletas, logo é expectável, portanto, que o seu desempenho dependa em grande parte da RE. Mesmo nos níveis mais altos de desempenho humano – corredores de calibre internacional – a RE pode variar de 20 a 30% (Raichlen, Armstrong & Lieberman, 2011; Scholz et al., 2008; Di Prampero et al., 1986; Heise e Martin, 2001; Saunders et al., 2004; Williams e Cavanagh, 1987). Adicionalmente, em atletas elite ou “quase elite” com um VO2max semelhante, a RE é um melhor preditor de desempenho do que o VO2max (Costill, Thomason & Roberts, 1973; Morgan et al., 1989).


A IMPORTÂNCIA DO BRAÇO DE MOMENTO DO TENDÃO DE AQUILES E DA RAZÃO DE ALAVANCA DO PÉ

Como já referido, existem vários fatores que influenciam a RE, no entanto, um achado bem replicado, embora em grupos heterogéneos de corredores de longa distância, é a observação de que a RE é uma função de diferenças anatómicas em relação ao braço de momento do Tendão de Aquiles (TA) (Raichlen et al., 2011; Scholz et al., 2008). O braço de momento do TA é a distância perpendicular do centro de rotação da articulação do tornozelo até a linha de ação do tendão e, inicialmente, acreditava-se que quanto menor o braço de momento, maior o armazenamento e libertação de energia proveniente da deformação elástica e, portanto, menor custo de energia (Raichlen e outros, 2011). No entanto, estudos posteriores sugerem que corredores quenianos possuem braços de momento do respetivo tendão maiores, além de TA mais longos, o que lhes permite produzir um desempenho máximo no salto e um desempenho submáximo na corrida, de uma forma que não está de acordo com as teorias comumente aceitas sobre o ciclo de alongamento-encurtamento, que dão crédito a características como alta pré-ativação e potenciação reflexa induzida por alongamento, bem como maior alongamento e encurtamento do tendão (Komi 2000; Ishikawa & Komi 2008; Sano et al., 2014).

Adicionalmente, foi sugerido que não apenas o braço de momento , mas também a razão de alavanca do pé – que é a razão entre o comprimento do antepé dividido pelo braço de momento do TA – pode influenciar a força e a velocidade do encurtamento muscular e contribuir ainda mais para a economia de corrida (Carrier et al., 1994, 1998). Posteriormente, um estudo de Kunimasa et al. (2014) evidenciou que os corredores quenianos de elite possuem MAIOR braço de momento do TA e MENOR comprimento do antepé (logo, menor relação de alavanca do pé) e, consequentemente, podem ter o potencial de aumentar a rigidez da articulação do tornozelo e reduzir o consumo de energia na articulação do tornozelo. Outros fatores relacionados à complexa interação músculo-tendão (Arampatzis et al., 2006; Ishikawa & Komi, 2008) também podem ser aspetos que devem ser levados em consideração.


CONSIDERAÇÕES IMPORTANTES SOBRE O TREINO

Como já foi referido, a RE é fundamentalmente determinada por propriedades morfológicas e fisiológicas intrínsecas, sendo que alguns autores defendem que o treino tem pouco ou nenhum efeito na RE, sendo que os melhores resultados foram alcançados após treino intervalado de alta intensidade e treino com resistências, e a magnitude do efeito ronda entre 5 e os 7% de melhoria (Bailey e Pate, 1991; Billat et al., 2002; Franch et al., 1998; Lake e Cavanagh, 1996; Midgley e outros, 2007).

Em relação ao treino com resistências, existe múltipla evidência de que o treino de força pode promover melhorias na RE (Jonhston et al., 1997; Hickson, Rosenkoetter & Brown, 1980; Hurley et al., 1984; Hickson et al., 1988; Marcinik et al., 1991; Hennessy & Watson, 1994; Bishop & Jenkins, 1996; Bishop et al., 1999; Albracht & Arampatzis, 2013; Bohm, Mersmann, Santuz & Arampatzis, 2021; Damasceno et al., 2015; Ferrauti, Bergermann, Fernandez-Fernandez, 2010; Festa et al., 2019, Johnston, Quinn, Kertzer & Vroman, 1997; Karsten et al., 2016; Piacentini, et al., 2013; Vikmoen et al., 2016; Vikmoen, Ronnestad, Ellefsen & Raastad, 2017; Fletcher, Esau & MacIntosh, 2010; Millet, Jaouen, Borrani & Candau, 2002; Storen, Helgerud, Stoa & Hof, 2008; Garcia-Pinillos, Lago-Fuentes, Latorre-Roman, Pantoja-Vallejo & Ramirez-Campillo, 2020;Machado, Castro, Bocalini, Figueira Junior, Nunes & Vale, 2019; Pellegrino, Ruby & Dumke, 2016; Ache-Dias, Dellagrana, Teixeira, Dal Pupo & Moro, 2016; Berryman, Maurel & Bosquet, 2010; do Carmo et al., 2022; Spurrs, Murphy & Watsford, 2003; Ramírez-Campillo et al., 2014). Tendo como base os estudos levados a cabo, o treino com cargas elevadas bem como o treino pliométrico chamaram recentemente a atenção dos pesquisadores como ferramentas para aumentar a RE e o desempenho desportivo (Denadai, de Aguiar, de Lima, Greco & Caputo, 2017; Blagrove, Howatson & Hayes, 2018), uma vez que o custo energético do músculo esquelético representa a maior parte do custo total de energia da corrida (Fletcher & MacIntosh, 2017; Kipp, Kram & Hoogkame, 2019). Por um lado, o treino com cargas elevadas pode aumentar a força e/ou a potência muscular, alterando os padrões de recrutamento das unidades motoras e a frequência de disparo das mesmas durante as contrações musculares voluntárias (Del Vecchio et al., 2019; Aagaard, Simonsen, Andersen, Magnusson & Dyhre-Poulsen, 2002). Por outro lado, o treino pliométrico, que consiste principalmente em várias ações de salto utilizando o ciclo alongamento-encurtamento (SSC), aumenta a capacidade de armazenar e utilizar a energia elástica de forma mais eficiente (Markovic & Mikulic, 2010) levando a uma diminuição no consumo de energia durante a corrida (Hunter et al., 2015).


TREINO DE FORÇA COM CARGAS ELEVADAS VS TREINO PLIOMÉTRICO

Ora, tendo em conta que existem hipóteses e fundamentos que apoiam ambas as intervenções, um artigo de Eihara et al. (2022) procurou, através de uma revisão sistemática com meta-análise, perceber se uma das intervenções era superior à outra em relação à RE. Os autores concluíram que o treino de força com cargas elevadas (quase máximas) é superior ao treino pliométrico na melhoria da RE. No entanto, e como vamos perceber em seguida, os dados não apoiam a conclusão dos autores.

Primeiramente, nos 22 estudos analisados, o período médio levado a cabo no treino pliométrico foi de 6,9 semanas, quando a literatura refere que para o treino pliométrico exercer efeito é necessária uma intervenção igual ou superior a 10 semanas (De Villarreal, Kellis, Kraemer & Izquierdo, 2009; Yamanaka et al., 2019; Hudgins, Scharfenberg, Triplett & McBride; 2013). Adicionalmente, o período médio levado a cabo no treino de força com cargas quase máximas foi de 9,6 semanas, o que significa que foi significativamente superior ao período médio levado a cabo no treino pliométrico. Ou seja, é a mesma coisa que querer comparar dois tipos de antibióticos (A e B), e um grupo toma o antibiótico A por um dia, enquanto outro grupo toma o antibiótico B por uma semana. No fim, afirmo que o antibiótico B é superior ao antibiótico A. Resumindo, a dosagem não foi equivalente, logo as conclusões retiradas são erradas.

Adicionalmente, embora os tamanhos de efeito do treino de força com cargas elevadas fossem maiores do que os do treino pliométrico, os intervalos de confiança em torno dos tamanhos de efeito para o treino de força com cargas elevada cruzaram zero, o que significa que não existe significância estatística.

Resumindo, e em jeito de conclusão, facilmente percebemos que as conclusões do artigo supracitado foram exageradas/extrapoladas, uma vez que uma análise cuidada dos dados – inclusive a realizada pelos autores – evidencia que a superioridade do treino de forças com cargas quase máximas, a existir, seria estatisticamente insignificante. Agora, cabe aos profissionais do exercício ler os artigos na totalidade para não existir partilha de informação enviesada.

Assim, usem o treino pliométrico ou o treino de força com cargas elevadas de forma consciente e de acordo com os objetivos que pretendem atingir, levando em consideração as características biológicas dos vossos atletas.

Tiago Rocha

- Licenciatura em Ciências do Desporto pela Faculdade de Desporto da Universidade do Porto (FADEUP);

- Mestrado em Ensino de Educação Física pela Faculdade de Desporto da Universidade do Porto (FADEUP);

- Pós-Graduação em Reabilitação Neurológica de Lesão Cerebral Adquirida pela Escola Superior de Saúde do Instituto Politécnico do Porto;

- Formador e Coordenador Científico de Ciências do Desporto e do Exercício da Master Science Lab.

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